terça-feira, 13 de maio de 2008

Acelera, Speed!!



Pessoas são obras inacabadas. Gosto dessa sensação de que é permitido derrubar uma parede aqui, fazer um puxadinho ali, trocar a cor da parede da sala. Nada mais compensador que ser surpreendido nas suas certezas. Tenho tido dias fantásticos. Astral lá em cima, felicidade rondando a janela da casa, sensação de que tudo está indo muito bem. Pé de pato, mangalô, três vezes. Meu santo é forte, mas não é dois.


Essa felicidade que inebria a alma, acaba nos abrindo olhos e ouvidos. Sábado fui ver Speed Racer com os meninos. Evento total. Chamei amigos, pai de amigos. Afinal de contas era um encontro com uma parte da nossa infância completamente repaginada. Fila inteira do Cinemark só com a gente. Mais um filme infantil pra coleção. Confesso que durmo na grande maioria deles. Ser pai participativo tem limite e esses filmes bebem todos em duas ou três fontes. O estado de espírito já descrito acima, já me deixou mais relaxado e pronto pra curtir uma sessão da tarde tamanho família. Mas não se passaram nem dez minutos de filme e eu comecei a perceber que tinha algo mais ali para ser visto. Cores fortes. Estética diferente. Ousada. Uma narrativa nada linear que me fazia perguntar à toda hora se os guris estavam entendendo. Desnecessário dizer que essa geração é muito mais esperta do que podemos imaginar. De repente, estava completamente plugado no filme. Durante duas horas e pouquinho, vivi dentro de um vídeo game de última geração. Torci, vibrei, chorei. Fui à infância e voltei um par de vezes. Entendi um pouco da vibração dos meninos quando o outro passa de fase no Playstation. Eu estava lá dentro do joguinho. Ganhando vidas adicionais à cada cena. O filme acaba e dá vontade de aplaudir de pé. Olho pros lados e vejo um monte de marmanjo de olho marejado. Lágrimas de infância finalmente libertas. Programão.


Ok. Tenho me sentido o próprio Speed. O carro conceito chegou. Para os que esperavam um modelo caro, importado e top de linha, sinto decepcionar. Como já dito uns posts atrás, é um conceito. E conceitos são muito particulares. Punto Sporting. Preto. Como todos os acessórios. Pequeno? Eu diria que tem o tamanho certo. Fiat? É a melhor montadora do Brasil, NA MINHA OPINIÃO. Teto Solar????? Também nunca me imaginei, mas os meninos adoraram, a Renata sugeriu e afinal de contas, somos uma obra inacabada, onde sempre cabe um sofá de três lugares onde a vida inteira você sonhou em pôr uma poltrona!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O menino que lê emoções




Era uma vez um menino que lia emoções. Com as palavras, ele tinha muita dificuldade. Letras embaralhavam na sua frente, sílabas não se formavam, sons diferiam do que acostumamos ouvir. Uma frase um pouco mais longa, parecia-lhe uma árdua montanha pra escalar. Ele cansava fácil. Sempre irrequieto. Apesar de esforçado, era visível o seu desconforto e sua frustração. Parecia tão óbvio para todos. Mas para ele era muito complicado. Cansativo. Desgastante. A escrita não era diferente. O lápis não seguia o movimento da letra. A letra fugia do risco do lápis. Nessa batalha, muitas eram engolidas pela sofreguidão e pela ansiedade. Palavras juntavam-se ignorando os espaços usuais. Paraquêespaçosseaspalavrasprecisamestarjuntasprafazerosentidoqueelequeriadar?

No entanto, desde muito cedo, esse menino soube ler o mais difícil. Letras e números são balela frente a verdadeira dificuldade das relações humanas: ler emoções e sentimentos. Sem conseguir interpretar textos simples, ele sempre conseguia interpretar intenções, carinhos, gestos e olhares. Sem saber de onde vinha, ele deixava aflorar do fundo do seu grande coração, a emoção traduzida em lágrimas. Sim, esse menino chorava de felicidade. Mais do que isso, esse menino chorava verdadeiramente de emoção. Compensava aí, a sua dificuldade em dizer eu te amo, obrigado, que lindo!, quero vocês do meu lado, me dá colo, vai passar, vocês tem à mim e outras tantas pequenas frases ou palavras, que seu cérebro queria dizer, mas que o emaranhado de fios que o ligava até a boca, embaralhava e fazia perder o formato inteligível para os ouvidos humanos. Fácil até aí?

Esse menino sabia mais que isso. Sempre soube usar o sorriso certo, o olhar mais preciso, o movimento de cabeça mais carismático. Juntava tudo isso num quadro perfeito que derrubava todos os obstáculos, empecilhos, reprimendas e correções. Não. Ele não usava isso pra burlar ou transgredir. Ele usava pra pedir desculpas. Pra pedir mais uma chance. Pra dizer que não ia fazer de novo. Tá bom. Ele abusava disso muitas vezes. Mas quem de nós não abusaria, sabendo a linguagem da emoção com tanta fluência? Quem de nós não abusaria sabendo que entre tantos caminhos difíceis, ali estava um seguro e garantido?

Esse menino, hoje, ainda está longe de chegar lá. Cada dia é uma batalha e cada dia é uma vitória. Ele está crescendo e tomando ciência de sua condição diferenciada. Na verdade, acho que ele sempre soube. Nos mandou os sinais através da emoção. A linguagem que ele sabe falar melhor que todos nós. Corre atrás com muita garra, engole em seco algumas ofensas proferidas por outras crianças cruéis em sua inocência. Sempre atento e sempre guiando com o coração pelos caminhos tortuosos que a vida lhe traçou. Os temores iniciais, as incertezas, as peregrinações por consultórios, aos poucos vão dando lugar a algumas constatações que nos ajudam saber pra onde ir. Fisicamente, não há nada. No futuro, muito provavelmente ele será considerado disléxico e ouvirá uma relação de ilustres figuras públicas, portadoras do mesmo problema.
Desde já, um vencedor! Juntos, vamos cruzar muitas linhas de chegada, meu filho! E você, dono de um talento raro, conquistará tudo o que você quiser, lendo emoções ao invés de palavras e escrevendo com sorrisos e essa carinha linda, a história da sua vida.