terça-feira, 28 de outubro de 2008

Presente de Aniversário

Não é de hoje que os meus amigos, conhecidos, colegas de trabalho, vizinhos, o ascensorista do elevador (se isso ainda houvesse) e a copeira do trabalho sabem: está chegando meu aniversário. Sim, os tais famosos 40 anos estão por vir. Contagem regressiva para a data redonda, zilhões de planos pra nova etapa da minha vida, onde de prático pouco ou nada vai mudar. Ou muda tudo, mas à todo instante, a gente nem percebe e quando se dá conta, está completamente diferente. Não importa. O tema não é esse. Quero falar de presente. Todos os listados acima e também a torcida do flamengo sabem que eu adoro ganhar presente. Nenhuma culpa quanto à isso. Presente é um carinho na alma e não necessariamente está ligado à coisas materiais. Presente é ganhar algo que você queria muito ou coisa que você nem sabia que queria tanto, mas que quando ganha faz abrir um sorriso do tamanho da sua vida. O melhor presente que eu poderia receber esse ano, talvez um dos melhores que eu posso vir a receber em toda a minha vida, eu ganhei hoje. Adiantado!!!! Quer coisa melhor que presente adiantado? Curiosos? Segue então a pequena história....

Metade do primeiro semestre letivo. Chegam em casa, esbaforidos como de costume, os quatro moleques.

- Pai, vai ter olímpiada de astronomia de novo esse ano!

A Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, conhecida entre eles como OBA, é um concurso promovido pela Sociedade Astronômica Brasileira e pela Agência Espacial Brasileira. O objetivo principal é difundir entre alunos do ensino fundamental o gosto pela astronomia. Em outras palavras, ensinar aos moleques o que verdadeiramente existe entre o céu e o mar nas noites estreladas e durante os dias ensolarados de verão.

- Pai, você deixa a gente fazer? Tem que entrar no site. Tem que ir na aula que vai ter na escola. A aula é de tarde. O Célio leva. Tem que baixar o material no site. Tem que estudar. Tem que fazer experiência prática. Tem que fazer prova. Pai, será que eu vou ganhar? Pai, será que tem prêmio? Pai, vc deixa? Pai, eu quero!

Não é música do Titãs, mas era tudo ao mesmo tempo agora. E pra ontem, como de costume! O objetivo é louvável. O interesse legítimo (muito embora por trás de tudo, estivesse o dvd player portátil que o vizinho, campeão da mesma olimpíada no ano passado, ganhou). A logística, um pouco problemática. Mas tudo isso junto me pareceu uma boa oportunidade de deixá-los fazer algo, do início ao fim, por conta própria. Eu ensino a pescar. Se virem.

- Pai, eu tenho aula hoje na escola e tenho Marcela também!

Marcela, é uma santa criatura que ajuda o Bê, na procura pela ordenação de letras e números. No meio disso tudo, ajuda ele nos deveres de casa. Faz ele pegar no tranco. Se interessa sobremaneira pelo sucesso desse garoto.

- Bernardo, como você vai fazer essa prova, filho? Você não sabe ler...você já tem tanta atividade...não dá conta dos deveres...e ainda por cima, perder aula com a Marcela???!!!

Cara de gato de botas. Só ele sabe fazer essa cara!

- Olha só, eu tô cansado! Cansado de vocês demandando tudo da gente! Cansado das brigas! Cansado de ter que comprar tudo! Cansado de ir atrás de tudo! Querem participar dessa olimpíada? Se virem. Não vou mexer um músculo. E você Bernardo, se quer fazer, se vira também!

Entre planos daqui e de acolá, ouvi vários menções às aulas. Aos exercícios. Às apostilas que eles não leram. Ou pelo menos que eu tenha sabido. Sei que a mãe, sempre a mãe, andou ajudando. Baixou um material do site do projeto. Também acho que não mais que isso.

- E aí? Como foi a prova do Oba?

- Foi legal. Eu saí primeiro. Ele saiu depois. Não. Fui eu quem saiu primeiro. Não. Foi ele. O fulainho saiu antes.

E antes que virasse briga, eu dei o assunto por encerrado e continuei tocando a vida. Tá certo. Devo confessar que fiquei pensando em como eles tinham ido nessa prova. E não vou negar: como o Bernardo teria feito uma prova de astronomia, quando ele não conseguia ler quase nada e não entendia o que lia.

O assunto acabou perdido no embalo da vida louca vida que rola lá em casa.

Final de semestre letivo. Reunião multidisciplinar com a equipe que ajuda o Bernardo. Coordenadora pedagógica, professora, professora auxiliar, fonoaudióloga, psicomotricista e professora particular. Eu e Renata. Um verdadeiro comitê. Um exército lutando junto contra uma coisa que a gente não sabe bem o que é, que deve ser a tal da dislexia, que não deixa o Bernardo ser como as outras crianças na sala da aula, mas que seja o que for, tá perdendo feio dessa turma que não está aqui pra perder nada!

Discutidos todos os assuntos, avaliado o comportamento dele, os resultados cognitivos, pedagógicos, comportamentais, sociais e curriculares, e tendo dito que ele estava indo, a coordenadora diz assim do nada:

- Ah, teve a Olimpíada de Astronomia. A gente queria falar sobre isso!

Cacete. Eu sabia que ele não ia conseguir. Como a gente permitiu isso. Expôs o garoto à toa. Se não podíamos ajudar, se não estávamos afim de ter mais essa responsabilidade, não devíamos ter deixado ele fazer a inscrição. Não. Não dava pra deixar ele faltar todas as aulas com a Marcela. Ia acabar prejudicando o rendimento dele na escola, e tudo isso pra quê? Ele não ia fazer essa prova mesmo. Por isso ele não veio em todas as aulas preparatórias pra olimpíada. Mas a gente resolveu deixar. Até pra ele perceber, quando se visse frente à uma prova que não lhe foi imposta mas que ele queria prestar, a importância de ler e escrever. Quem sabe isso não lhe daria motivação e diminuiria as birras constantes. Pronto. Agora já foi. Aprendemos a lição. E então, o que houve? Olha, antes de vocês falarem eu gostaria de colocar que a gente não mexeu uma palha pra isso, viu? A gente resolveu deixar por conta deles, absolutamente tudo que dissesse respeito. Já chega, né? Vocês hão de convir que já é coisa demais. Não nos responsabilizem por nada. Mas enfim, e a olimpíada?

- O Bernardo ficou em segundo lugar!

O queixo parou no chão. A lágrima foi correndo tentar buscar.

- ??????

- Ainda precisamos da validação dos organizadores, mas o Bernardo ficou em segundo lugar na categoria dele. Sim. Também foi uma surpresa pra gente.

Até eu me surpreendo com o tamanho do significado disso pra mim. A sensação de estar no caminho certo e de tudo ter valido à pena. De ser recompensado por cada minuto da nossa vida que foi empreendido na vontade de fazer acontecer e não se conformar com que o nos foi apresentado. De acreditar, mesmo quando a gente não levava a menor fé. A vitória do time azarão é muito mais gostosa. É como ganhar a Copa do Mundo. De rúgbi!

- A gente precisa celebrar isso. Ele precisa ser valorizado. Vai ser feito algum anúncio?

Eu só pensava na carinha dele, quando ele olha prum lado e pro outro, dá um sorriso meio sem prumo, como se risse pro nada e pra dentro. Só pensava nele indo receber o prêmio que fosse. E a escola inteira aplaudindo. Pensava na nossa cara de bobo. E ali, naquele minuto, eu queria a família toda lá. Todos os amigos. Os nossos, os dele, os dos irmãos. Queria também a Eli, que cuida dele desde sempre. Todos os médicos. Todos os terapeutas. Se assim fosse possível, queria todos os exames, os remédios, queria todos os minutos da vida dele que ele passou fazendo algum exercício, queria todas as horas que ele deixou de brincar com os irmãos, queria as professoras que não enxergaram seus problemas, queria as que enxergaram e queria, principalmente, as que enxergaram e resolveram que aquilo não seria problema nenhum.

- Vamos esperar o resultado oficial e depois programaremos algo.

Parecia que eles não estavam certos do resultado. Ou parecia que a gente achava que em algum momento iam perceber que a nota não era bem aquela.

Férias de meio de ano. Início do segundo semestre. Final do segundo trimestre letivo. Fim de ano chegando. Bernardo fica ou sai da escola? Bernardo tá bem? Ele vai acompanhar o próximo ano? Ele já tá lendo. Ele tá indo muito bem nas outras matérias. Só falta escrever. Que letra, hem?

28 de outubro. Sol escaldante. Acho que Deus resolveu descongelar Brasília no microondas. Potência máxima. Meio dia. Hora de buscar as crianças na escola.

- Pai, o Bernardo ficou em segundo lugar no OBA.

- Quem te disse, filho?

- Pai, a minha professora distribuiu o resultado.

Pronto. E a surpresa? E o anúncio que a escola programara fazer? Nas minhas mãos. Como uma fria tabela estatística. O meu presente de aniversário adiantado. Bernardo Sanchez Pinheiro. Nível 1. Nota 8,5. Segundo lugar.

Mas, e a surpresa? O roteiro, às vezes, é readaptado. E ninguém nem percebe a diferença.

O caminho pra casa foi um sem fio de festejos. Eu tentei explicar pros quatro, a dimensão daquilo pra todos nós. Eram duas frases e uma pausa. O choro da emoção interrompia a fala. E eles entendiam aquela emoção. O Bê tava meio anestesiado. Não acreditava ainda. Ou, o que pode ser bem provável, não entendia o porquê do auê, se ele não via nada de tão absurdo. Ele só respondeu umas perguntinhas. Meu coração apertado de alegria e de ansiedade pra dividir com a Renata aquilo. Quando a gente não está junto nessas horas, parece que as verdades não são inteiras.

Meu filho, veja só como tudo valeu à pena. E como é importante continuar o esforço. Viu como é importante fazer os deveres? Se esforçar pra ler? Viu como é por isso que o papai insiste e dá bronca quando você faz corpo mole? Um discurso infinito e politicamente correto que queria traduzir tão somente: Filhooooo, você é demais!!!!!!!!!

O menino que lê emoções, parece que entende de estrelas também. O menino que lê emoções, mais uma vez, me fez o pai mais feliz e realizado do mundo.

Obrigado, Màrcia Moreira. Você sempre falou que o Bernardo ia se dar muito bem na vida e nunca acreditou que ele estivesse dando tudo que podia.

Obrigado, Mariane. Você fez do SEU ALUNO, um vencedor.

Obrigado, Bartira, Mônica e Marcela. O envolvimento de vocês nessa luta é fundamental pra gente receber notícias como essas. Deus permita que possamos todos continuar ajudando o Bernardo a virar essas páginas e partir pros outros capítulos.
Obrigado, Mãe. Acredite. Você fez a diferença nesse ano que está acabando.
Obrigado, João, Pedro e Cezar. Sem que vocês percebam, nos mínimos gestos e frases que colocam, vocês empurram o Bernardo pra frente.
Obrigado, Bela. Eu não podia escolher uma parceira melhor pra construir essa história. Você é o nosso eixo. Eu te amo.

E obrigado, Bêêêêê!!!! Por você ser desse jeitinho que você é! E por me fazer te amar tanto e tão incondicionalmente! Pé na tábua, filhão! Você vai muito longe!